Entrevista com Ana Doralina Menezes

Ana Doralina atua na Associação Brasileira de Angus desde 2003.

Filha de uma família de pecuaristas na 5ª geração, a médica veterinária iniciou sua trajetória como certificadora de desossa no frigorífico Mercosul, primeiro parceiro do Carne Angus, e passou por outras funções até chegar à gerência do Programa Carne Angus Certificada. Além disso, Ana é criadora da raça Angus e de ovinos em sua propriedade em Bagé (RS). O marido é consultor na área do agronegócio e os dois filhos, desde cedo, mostraram interesse em seguir as trajetórias dos pais. Tradição e criatividade são os pilares principais da atuação desta liderança feminina no agro.


Você nasceu no campo, em uma propriedade na 5ª geração da família e um pai formado na primeira turma de zootecnia. Entre a natureza, um ambiente de negócio com muitos desafios e o clima científico da atividade do pai, quais foram os principais fatores de impacto para você construir sua vida?
Realmente, sou privilegiada por ter nascido e crescido neste ambiente que, com certeza, foi responsável pelo que eu sou hoje: minha família, que é o meu bem maior, os valores que me foram ensinados, perseverança, força, fé, união e amor. Não importa se estamos perto ou longe, eles estão sempre comigo.

Devido à propriedade ser distante da cidade, sempre passamos longos períodos lá, e por isso sempre compartilhamos momentos com toda a família reunida, meus avós, pais e irmãos, a vivência, os ensinamentos e tantas lembranças. E assim, o campo, a natureza e os animais, fazem parte da minha vida, das minhas memórias mais remotas, da infância na estância, que possuem um papel essencial, pela capacidade que eles têm de me renovar, recarregar e ensinar.


Ali eu aprendi e aprendo a ser resiliente, entender os ciclos, o olhar do melhorador, que busca a evolução a cada geração, ter humildade, respeitar as diferenças, as dificuldades e entender o meu papel, o que posso e o que não posso mudar, mas sempre lembrando que eu tenho a grande responsabilidade de honrar os que me antecederam e buscar evoluir, deixando o que recebi em melhores condições para os que virão.

Por isso a escolha da minha profissão, pois já tinha consciência que meu lugar é aqui. Trabalho, viajo muito, amo o que faço, mas nada se compara a sensação de voltar para casa, e para a estância, meu lugar no mundo.

Todos conhecemos a história do livro “Pai rico - Filho nobre - Neto pobre”. Como sua família conseguiu escapar dessa regra tradicional da sucessão? Como prepara seus filhos para construir o legado para as próximas etapas da 6ª e 7ª geração?
Realmente, esta é uma questão mais complexa, ainda mais quando se trata de várias gerações e diferentes crenças e visões.

A única forma, na minha opinião, é através do planejamento e compartilhamento, só assim estaremos preparados, e preparando as próximas gerações para os desafios que se apresentem.

No meu caso, que tenho dois filhos, Florencia com 13 anos, e Martin com 6 anos, que ainda são um tanto pequenos, buscamos compartilhar e vivenciar as experiências juntos, criar a ligação com o campo, cada um a sua forma, tendo sua identidade, participando das atividades, entendendo as dificuldades, aprendendo com os mais experientes e ajudando a resolver os desafios juntos.

Ressaltando a consciência que temos que cuidar, preservar, criar boas lembranças, que irão ficar para sempre, como foi comigo. E que eles entendam que independente da profissão que venham a escolher, lá eles têm um papel importante a cumprir, respeitar, cuidar, produzir e passar para as próximas gerações. Hoje, poder ver minha filha montando a sua própria Cabanha de ovinos, me faz acreditar que estamos no caminho certo, a semente foi plantada, além de me encher de orgulho.


Passou algum tempo vivendo na Nova Zelândia. Como mudou sua visão do setor e do Brasil quando retornou e como essa experiência impactou nas escolhas da sua carreira?
A experiência na Nova Zelândia foi incrível, inesquecível. Eu recém havia me formado quando fui para lá, meu pai, que já havia ido a Nova Zelândia e Austrália em inúmeras oportunidades para importar animais, já havia me passado um pouco do que eu iria vivenciar.

É um país essencialmente do agro, existe um reconhecimento muito forte do trabalho do produtor rural pela sociedade, o país reconhece sua aptidão para produção primária, investe, comunica, e o quanto isso é um diferencial positivo.

Tive a oportunidade de trabalhar em fazendas de ovinos, bovinos de corte e de leite, e em todas a presença familiar é muito forte, todos estão no negócio, independentemente da idade, trabalhando, ajudando, seja mulheres, homens, jovens ou idosos, todos participam ativamente.

A inovação, tecnologia e profissionalismo fazem a diferença nos mínimos detalhes, e isso mudou muito a minha visão quando retornei, a maneira como eles encaram as dificuldades, estando sempre cercados de tecnologias, organização e recursos que possam ajuda-los no dia a dia da fazenda, com profissionalismo e seriedade, são muito especializados no que fazem.

Além é claro, de aproveitarem muito a natureza e as belezas desta terra tão linda, um dia pretendo voltar com minha família para visitar os amigos que fiz por lá.


Sempre costuma lembrar a importância da ‘construção da confiança’. Com 20 anos de responsabilidade executiva numa das principais associações de raça bovina, qual a estratégia que recomenda e quais as ferramentas sugere para criar laços de confianças ao longo da cadeia produtiva e nomeadamente com um mercado importante como a China?
Acredito que com o passar do tempo, a construção da confiança vai ganhando mais valor nas relações, tem mais peso, e para essa construção é essencial o respeito. A Associação Brasileira de Angus é uma entidade muito respeitada no meio, pelo pioneirismo, tradição e representatividade, e o Programa Carne Angus Certificada, não é diferente.


Ser o maior Programa de certificação de raça e qualidade em atividade no país, nos traz respeito e confiança, e claro uma grande responsabilidade. Afinal, são 20 anos de jornada, buscando sempre a integração da cadeia, transparência, excelência, e reconhecimento para todos os envolvidos em produzir a carne Angus Certificada. Hoje são mais de 27 mil produtores participantes. Não existe mágica, é um trabalho estruturado, profissional e reconhecido, para oferecer um produto de alta qualidade tanto no mercado interno, quanto no mercado externo.


Nestes 20 anos já exportamos para 35 países. Nos últimos anos a China vem se mostrando o mercado mais importante para a carne Angus brasileira.

Ano passado tive a oportunidade de participar da Feira Sial Xangai, uma das mais importantes feiras de alimentos do mundo. E realmente o potencial deste mercado é impressionante. E como falei anteriormente a qualidade e a confiança são valores fundamentais para este mercado.

Como o Brasil se posicionou e como seu papel como líder na exportação de alimentos foi percebido no recente evento global em Dubai, onde representou a carne de qualidade?
A experiência de ter participado da feira em Dubai foi muito rica. O Brasil tem uma expressiva importância, como o maior exportador de carne bovina do mundo, isso é fato.


A nossa presença, e o trabalho que estamos desenvolvendo, participando das principais feiras internacionais, é justamente buscar desmitificar, que somos apenas um grande produtor em volume, de um produto sem diferenciação por qualidade.

O Brasil também produz carne de qualidade, produto premium, capaz de competir de igual para igual com o produto produzido por outros países com tradição neste mercado, como Uruguai, Argentina, Australia, EUA. Na feira em Dubai, assim como na China, estavam todos os grandes exportadores para os países do Oriente Médio, um mercado que vem assumindo importância, pelos volumes importados, mas também por se tratar de um consumidor bastante conhecedor deste perfil de produto.


Durante a missão acompanhei uma comitiva da CNA (Confederação Nacional da Agricultura), onde visitamos vários varejos, alguns com este perfil, produto premium, consumidor AA. E lá foi possível verificar a presença da carne brasileira nas gondolas, porém sem nenhum posicionamento ou sinalização de qualidade para o consumidor, apenas no perfil dia a dia, e na mesma gôndola estava o produto premium, com informações de raça, marmoreio, alimentação, sem utilização de hormônios e com valor quatro vezes maior que o produto brasileiro. 

Este mercado é o nosso foco, ele é que buscamos atingir, e já estamos atingindo. Em 2023 o Oriente Médio foi responsável por 21,5% de toda a carne Angus exportada, perdendo apenas para a China com 43%. Ou seja, temos muito trabalho a ser feito, e estar lá e poder falar sobre o setor foi muito gratificante.

30% dos 5 milhões proprietários rurais são mulheres. Quais considera as características da mulher que favorecem uma, cada vez maior, presença feminina na gestão de fazendas e nos outros elos da cadeia produtiva dos alimentos?
Essas mudanças no perfil das propriedades rurais, mostram o protagonismo da mulher rural, que além da importância nas suas próprias famílias, é o reflexo da diversidade da sua atuação, em diferentes atividades e setores relacionadas ao desenvolvimento do agro. As mulheres se destacam devido as características marcantes que as diferenciam, trazendo uma capacidade única de interação e desenvolvimento.


A primeira característica importante de se destacar é a facilidade de cooperação, o que torna o ambiente compartilhado por elas ainda mais favorável, a capacidade de se moldar, o que faz com que ela se adapte em ambientes distintos com mais facilidade, além das características como empatia, comunicação, resiliência, visão.

Por onde anda cria valor a sua capacidade de acolher, congregar, somar. As mulheres têm uma capacidade única de identificar suas limitações, ou áreas em que ela necessite de apoio.

Ao buscar e encontrar ajuda ela cria uma rede de apoio. Hoje, o que vemos é a multiplicação destas redes de apoio, os grupos das mulheres do agro, um ambiente muito construtivo, de muita troca e crescimento. Sem dúvidas, as mulheres estão transformando os ambientes onde estão presentes, com seus talentos. Mas muito ainda deverá ser feito, já que as mulheres ainda sentem dificuldade de ingressar em alguns ambientes, além do desafio de compartilham suas atividades com as responsabilidades com os filhos, e cuidados com o lar.

 “Sem dúvidas, as mulheres estão transformando os ambientes onde estão presentes, com seus talentos.”

 

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