Entrevista com Letícia Zamperlini Jacintho

“Filha de empresários da área de construção civil e agronegócio, nasci em Barretos, em 04 de dezembro de 1981.

Meus pais sempre foram muito batalhadores; construíram as empresas que têm hoje do zero. Os dois perderam os pais muito cedo e trabalharam duro para construírem o que hoje possuem. Isso deu aos quatro filhos muita garra, exemplo de resiliência, persistência, trabalho e valores sólidos. Éramos proibidos de falar “não dou conta” quando crianças. Aprendemos que sempre há uma alternativa se realmente queremos alguma coisa. “Preguiça” era outra palavra que não cabia no dicionário da família. Em contrapartida, “meritocracia” imperava. Sonharam alto e nos ensinaram os caminhos para conseguirmos alcançar nossos sonhos. União familiar e fé em Deus sempre foram valores inegociáveis. Sendo assim, crescemos respeitando e ajudando uns aos outros.

Desde pequenos, morando no interior, eu e meus irmãos tínhamos acesso à natureza e ao campo. No sitio onde cultivávamos laranjas, perto da cidade, aconteciam todas as festas de aniversário e os encontros com familiares e amigos aos finais de semana. Sem nenhum luxo, mas com muita alegria, aprendemos a dar valor à natureza, a observar os pequenos detalhes e a agradecer sempre.

Estudei em Barretos até os 14 anos e posteriormente fui morar em São Paulo, para finalizar o colegial (o atual Ensino Médio). Cursei Administração de Empresas na FAAP e comecei a trabalhar já no terceiro ano de faculdade, no US Commercial Service, onde aprendi muito sobre exportação.

Nessa época já estava em processos seletivos para trabalhar no mercado financeiro e, em abril de 2003, entrei no Banco Calyon, na área de Corporate Banking, primeiro como analista e posteriormente como comercial. Nessa época usei muito os idiomas francês e inglês, aprendidos previamente. Surpreendentemente, além da secretária, eu era a única mulher do andar.

O mercado financeiro foi importantíssimo para minha caminhada profissional. Entender o fluxo do dinheiro e as diferentes operações das grandes empresas ampliaram minha área de conhecimento em diversos seguimentos, inclusive quanto à análise de operações entre governos federais de diversos países.

Tive também uma breve passagem pelo banco BBM, onde trabalhei como como analista de asset management. Isso me deu alguma experiência em lidar com cliente final.

Em 2006, me casei e voltei para Barretos, para trabalhar no Agronegócio, assumindo as áreas administrativa e financeira da empresa familiar. Além disso, era responsável pelas contas a pagar e receber, área contábil e jurídica.

Foi um grande desafio voltar de São Paulo para o interior e lidar com públicos diferentes, mas me encantei, pois aprendi com as experiências de cada de cada colaborador que tínhamos e pude exercitar o trabalho individual com o ser humano.
Gosto muito de trabalhar com pessoas. Entender e respeitar cada indivíduo me ajudou a criar os treinamentos e desenvolvimento para cada área e fazer parte dessa evolução. Implantamos o 5s, fizemos parcerias com SENAR, e trouxemos palestras para esses funcionários. Nessa mesma época, minha mãe tinha uma loja de roupas femininas (por 30 anos), eu ajudava nas compras e na área administrativa do negócio.

Durante esses 14 anos tive três queridos filhos: Isabela, Vitoria e Felipe. O tema educação sempre foi muito caro para mim. Acredito que, em parte, esse interesse tem origem no estímulo que meus pais me deram para crescer e ser independente. Desde 2006, junto com alguns amigos montamos um clube do livro em Barretos, no qual lemos cerca de dez livros por ano e discutimos sobre os diversos temas despertados.

Quando me propus ser mãe, busquei vários livros sobre educação infantil e como poderia fazer isso da melhor forma possível. O que me impressiona é que cada dinheiro e tempo investido nesse tópico geram sementes fortes e resilientes. Todas florescem!


Hoje, quando meus filhos estão um pouco maiores – Isabela tem 12 anos, Vitoria, 11 anos e Felipe, 7 anos – aproveitamos nossas férias para fazer viagens de estudos.

Em 2019 fiz o curso Programa de Desenvolvimento de Conselheiros da Fundação Dom Cabral, PDC – com o objetivo de implementar Governança Corporativa no grupo empresarial da família. Fiquei como secretária do Conselho Administrativo por dois anos e meio, aprendendo um pouco sobre o mercado de construção civil e auxiliando na parte do agronegócio.

No mesmo ano, entrei para o grupo Núcleo Feminino do Agronegócio, NFA, que tem como finalidade congregar produtoras rurais e pecuaristas comprometidas com o processo de produção e gestão de propriedades rurais. O NFA me ajudou muito com a troca de experiências sobre o setor. Assumi a vice-presidência da associação em 2021 e continuarei nesse mesmo cargo até 2024.

Em janeiro 2021 fui convidada para fazer parte do COSAG (Conselho Superior do Agronegócio da FIESP), após uma palestra sobre o De Olho no Material Escolar que conduzi. No mesmo ano fui indicada para o prêmio FORBES das 100 mulheres agro.
Em fevereiro 2022, virei comentarista do programa Conexão Campo Cidade do site Notícias Agrícolas juntamente com um time de peso composto pelo, então, Ministro Roberto Rodrigues, Marcelo Prado, José Luiz Tejon e Antonio da Luz. Isso me faz estudar semanalmente todos os temas de interesse do nosso setor do agro. Tenho constantemente aprendido com eles.

Em outubro de 2020, inconformada com os conteúdos relacionados ao agronegócio que eu via nos materiais didáticos das crianças, questionei outros pais o que achavam sobre esse assunto. E assim nasceu o movimento De Olho no Material Escolar.


O movimento ganhou corpo e, a partir de um conjunto de pessoas que enxergaram um caminho para melhorar a educação brasileira, constituímos uma associação. O objetivo do De Olho no Material Escolar é a atualização dos materiais didáticos, com dados científicos, públicos e atualizados.”

Sem querer desvalorizar sua função de mãe ou profissional de sucesso, pode-se dizer que o projeto de Olho no Material Escolar tem potencial de ser sua maior realização como ser humano e cidadã?

Interessante que sempre gostei muito do tema educação, e, como disse anteriormente, cada centavo investido gera muitos frutos. A oportunidade de trabalhar, de forma voluntária, num trabalho tão maravilhoso, com grande credibilidade e ajuda de cientistas, professores e grandes profissionais de diversas áreas, traz uma realização imensurável. Não sei se esse é o maior trabalho como ser humano e cidadã, acredito que seja o de criar bons filhos para o mundo. Mas é um trabalho que está fazendo, e ainda fará, muita diferença na maneira que crianças e jovens enxergam o mundo, com oportunidades grandes, esperança e trabalho. Sou grata por estar nesse setor e tenho trabalhado com todas as minhas forças para isso.

O Brasil é o país mais rico em termos de potencial. Não tem montanhas, nem neve, lagos imensos ou desertos. Além disso, pode produzir duas a três safras por ano. O que falta para colocar a Nação no grupo dos países líderes de grande dimensão geográfica e de imensos recursos naturais e humanos?



A educação deficiente é o principal motivo de ainda não sermos líderes. Há um livro chamado “Por que as nações fracassam?”, dos pesquisadores Daron Acemoglu e James A. Robinson. Nele, os autores comparam dados sociais e econômicos de diferentes países e concluem que a diferença não está em recursos naturais (ou lugares como Japão e Cingapura seriam extremamente pobres), ou fatores geográficos. A principal diferença é que os países que alcançam a prosperidade constroem instituições sólidas, com regras claras, liberdade econômica, direito à propriedade, fatores que facilitam a desconcentração de poder, a educação, a produtividade e o bem-estar da população em geral. Ao passo que países pobres têm instituições facilmente cooptadas por grupos que agem em interesse próprio às expensas do resto da população.

Um país de dimensão continental naturalmente é composto por vários biomas e regiões administrativas com características naturais distintas. Como o projeto De Olho no Material Escolar, pode contribuir para diminuir diferenças culturais tradicionais e contribuir para uma visão mais integrada da população?

A escritora nigeriana Chimamanda Adichie tem uma fala poderosa sobre o que ela chama de “O perigo da história única”. É possivelmente um dos vídeos mais vistos da plataforma TED Talks. Adichie usa a própria história pessoal como exemplo dos riscos envolvidos quando ouvimos ou quando resolvemos contar uma história sobre algo ou alguém. E fala, em especial quando crianças, como somos impressionáveis e vulneráveis face a uma história.

Contar uma história única sobre algo é uma forma de privar o outro de sua dignidade e de enfatizar diferenças e não conexões humanas. A história única cria estereótipos que são incompletos e são usadas para expropriar e tornar maligno ao invés de capacitar e humanizar.

Há uma história única sobre o Agro sendo contada nas escolas brasileiras, que mostra o Agro como um setor que fomenta a injustiça, a opressão e a destruição.
É óbvio que temos um país imenso, complexo, com diferentes realidades e contextos históricos. Mas reduzir a agropecuária nacional ao estereótipo de vilão, com lentes tendenciosas e anacrônicas, não ajuda em nada a entender o país nem a encontrar soluções para seus problemas.

Nosso projeto com os livros escolares propõe às editoras e escolas trazer uma visão mais completa e atual do que é o Agro hoje, de todas as oportunidades que ele pode trazer ao país, inclusive para garantir um futuro com segurança alimentar, climática e desenvolvimento socioeconômico para todos.

Temos que compreender o Brasil como um país heterogêneo, mas, ao mesmo tempo, como um país único, privilegiado, onde todas as cadeias têm seu papel e importância. Isso melhorará a compreensão por parte da população: mais união e menos divisão.

Uma coisa essencial para se formar um país é o orgulho nacional. Que país, que sociedade, que nação sobrevive sem orgulho nacional?

Não é possível simplificar, sob uma ótica míope e enviesada, uma história rica, complexa e multifacetada como a do nosso país. E, principalmente, não podemos deixar que essa história míope seja a única a ser contada a milhões de crianças e jovens brasileiros, por decisão de um pequeno grupo com parco conhecimento do assunto.

Hoje, as mulheres, muitas vezes, exercem várias funções ao mesmo tempo. Entre o cuidado com a família, o trabalho profissional e contribuições para entidades resta pouco tempo. Pode nos contar como distribui seu tempo ao longo da semana?
Acredito que a palavra desse ano será “equilíbrio”, pois não está nada fácil equilibrar tantos pratos. Para conseguir, tenho minha rotina bem planejada anualmente, reuniões, assembleias e eventos, todos agendados, inclusive as férias. Levanto bem cedo para fazer ginástica, participar do meu grupo de oração e organizar os filhos para a escola. Trabalho em casa e, com isso, em cada intervalo consigo administrar o que acontece ao redor, tanto filhos quanto administração da casa. Tenho viajado bastante e, para isso, conto com ajuda de familiares. Final de semana estudo bastante e deixo a próxima semana preparada. Terminei 2022 exausta, mas comecei 2023 mais organizada ainda.

Está observando uma tendência de “remigração” de profissionais que trocam a cidade pelo campo aproveitando a conectividade e do trabalho online a partir de qualquer lugar com internet 5G?
Durante muito tempo, o fluxo migratório interno no Brasil foi dirigido aos grandes centros urbanos no centro sul do país. Mas, já em 2010, o Censo mostrava uma tendência do fluxo migratório das capitais para o interior. Provavelmente o Censo de 2022 vai confirmar essa tendência, e isso tem a ver com o desempenho do agronegócio no país. A taxa de desemprego em 2022 no Brasil alcançou 8,1% segundo o IBGE com base nos dados da PNAD. Mato Grosso, o maior estado produtor do Brasil, é o que tem a menor taxa de desemprego, 3,8%.

O agro está a todo momento evoluindo e crescendo, e os jovens têm um campo de atuação enorme, em diversas áreas dentro do setor. Nesse ponto o Brasil tem grande vantagem pois os jovens têm ocupado essas oportunidades, o que não acontece em outros países como, por exemplo, países da Europa onde a população ativa desse setor tem envelhecido. Com isso trazem visão nova, muita disposição e tecnologia.

“A educação deficiente é o principal motivo de ainda não sermos líderes.”

Não sei se esse é o maior trabalho como ser humano e cidadã, acredito que seja o de criar bons filhos para o mundo.

“Não é possível simplificar, sob uma ótica míope e enviesada, uma história rica, complexa e multifacetada como a do nosso país.”

 

 


Por Francisco Vila

 


 

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