Entrevista com Samanta Pineda

A advogada ambientalista Samanta Pineda nasceu em Curitiba e cresceu num ambiente simples.

Desde menina trabalhou para poder comprar as coisas que queria. Já durante os estudos conseguiu um estágio para trabalho em conjunto com o Ministério Público do Meio Ambiente, o que definiu seu caminho profissional, sempre ligado à natureza, à limpeza urbana, ao agro sustentável e às questões do clima. Mãe de dois filhos, conseguiu equilibrar as funções de mãe, profissional e, cada vez mais, personalidade pública na definição de questões essenciais para a economia e sociedade brasileira.

Colaborou já em 2005 na formulação daquilo que hoje é internacionalmente conhecido como Código Florestal. Se destacou na elaboração de normas ambientais federais e estaduais, foi consultora da Frente Parlamentar da Agropecuária e candidatou-se a Deputada Federal. Na formação do atual governo foi cotada para assumir o Ministério do Meio Ambiente. A seguir reforçou sua função como conselheira, palestrante internacional e compartilhou seu conhecimento em programas de TV e aulas em universidades.

Acaba de voltar da Conferência de Clima que ocorreu durante uma semana na Alemanha. Desde sempre defende o perfil positivo do Brasil na matéria de sustentabilidade. Sentiu que as delegações de outros países têm hoje uma visão mais objetiva da realidade do nosso País?
Estamos na direção certa, mas ainda falta percorrer um bom caminho. Na realidade o Brasil não despertava muito interesse da comunidade internacional. Somos, infelizmente, mais conhecidos pelo tal desmatamento da Amazônia, que as pessoas nem sabem o que é e qual a sua dimensão, mas seguem repetindo para ter o que dizer. Há poucos anos o Brasil adotou uma postura mais firme de, sem negar suas fragilidades, mostrar todo seu diferencial sustentável, que supera o da maioria dos países.

Voltando do mundo às origens. O que fez a jovem Samanta optar pela profissão de advocacia e, desde o início, focando na complexa realidade ambiental quando esse tema ainda não estava nas manchetes?
Existem coisas que nos incomodam, que nos causam desconforto. A injustiça sempre me provocou essa dor e esse foi o motivo de escolher o Direito. Eu me criei indo passar as férias de verão com meus tios, pequenos produtores rurais do interior do Paraná, e sabia, por experiência, que eles não eram vilões do meio ambiente, ao contrário, me ensinaram a amar a água, a terra, as plantas e animais. Defender a causa ambiental sem culpar os produtores e procurando soluções concretas foi uma causa que me motivou e me motiva até hoje.


Seus colegas de profissão, de conselhos e na ainda muito masculina Frente Parlamentar da Agropecuária, elogiam sua precisão de raciocínio, sua capacidade de comunicação com ambos os lados da complexa matéria, bem como sua sempre boa disposição ao encarar todos os assuntos com otimismo. De onde vem essa energia para escrever laudos, fazer palestras e negociar projetos, tudo quase ao mesmo tempo?

De Deus, certamente! Eu mesma me assusto quando vejo a quantidade de coisas que faço.

Além disso tenho uma equipe incrível, são quatro sócias, mais três advogados e uma gestora no meu escritório de advocacia que atende mais de 15 estados brasileiros. Dou aula em três pós-graduações e um curso executivo, faço palestras dentro e fora do País, escrevo artigos, dou pareceres, faço audiências, reuniões, auxilio na elaboração de leis federais e estaduais, tenho um programa de TV no Agromais e duas colunas semanais no Jornal Terra Viva, além de ser comentarista para temas ambientais do Bandnews.

Vejo esta geração desmotivada por falta da receita básica da vida: cuidar do corpo, da mente e do espírito. Se exercitar e ter uma alimentação saudável, sem excessos; estudar constantemente, com foco, tendo uma causa, um propósito na vida sem se perder no mar de informação a que somos submetidos hoje e, finalmente, entender que há algo muito maior que nós e cuidar do espírito. Não estou falando de religião, mas de espiritualidade, de amor ao próximo, empatia, humildade, tolerância, lealdade, valores que somente quem dá atenção à espiritualidade consegue cultivar. Este é meu combustível, a sede de fazer a diferença, de melhorar a vida real das pessoas.

Como professora em universidades de renome, tem contato direto com a geração Z que mostra uma maior consciência com o equilíbrio entre progresso e preservação. Como esses jovens podem, além de opinar, contribuir ativamente para a construção de um futuro mais seguro econômica - social - e ambientalmente?
Os jovens têm, de fato, mais consciência, mas menos comprometimento e atitude. O que falta é vivência prática de situações e propostas reais de transformação. A construção de um futuro sustentável depende de equilíbrio, de se compreender que aspectos sociais, ambientais e econômicos devem ser igualmente considerados, mas que, sem romantismo, há uma certa hierarquia entre eles. Sem o básico, como alimentação e saúde, não podemos esperar que as pessoas cuidem do ambiente ou do outro. É preciso entender também que a forma de cuidar da natureza é integrando o homem a ela e não criando espaços isolados como unidades de conservação de proteção integral em que o homem não pode entrar, só se cuida do que se ama e só se ama o que se conhece.

Num mundo de tecnologia avançada, e recentemente de Desglobalização, como as questões de sustentabilidade podem impactar concretamente nos modelos de negócios de pequenas empresas industriais, do comércio e na própria agropecuária semi-tecnificados?
Ao contrário do que se pensa, a postura sustentável tem impacto direto em ganho de produtividade e eficiência, aumentando o lucro e o crescimento. O impacto ambiental positivo é resultado secundário. As pequenas propriedades e empresas devem adotar observar os indicadores ESG por uma questão exatamente de facilitação de crescimento, além de um diferencial de mercado.

Os jovens que não estão interessados em carreiras partidárias, mas querem construir seu futuro podem efetivamente contribuir para projetos como preservação de nascentes, reciclagem de lixo ou promoção da bioeconomia?
Bons ditados não sobrevivem à toa, a frase “pensar globalmente e agir localmente” ainda é a melhor forma de retratar a importância das atitudes locais. Falo da separação de lixo, tão básica, mas que poucas pessoas realmente fazem, falo de se informar sobre a condição de saneamento da sua rua, do seu bairro ou da sua cidade, e de quem cobrar caso não esteja adequado. O Brasil tem mais da metade da população sem acesso a saneamento básico, um problema que está na porta da casa, mas não vejo grandes movimentos pela causa como vejo pelo fim do desmatamento da Amazônia, que está lá longe.

A transformação tem que vir de dentro, de entender a dinâmica da economia circular, de quebrar o tabu de comprar em brechó para diminuir o consumo, de saber cobrar políticas públicas necessárias e direcionar o voto de acordo com o projeto apresentado. Qualquer pessoa pode organizar um movimento em sua rua ou em seu bairro por uma causa ambiental, pode ler sobre bioeconomia e ajudar a desenvolver um projeto simples que atenda a uma necessidade local, basta força e foco.

Os cursos de direito e economia ambiental atraem cada vez mais alunos. Acha que o mercado oferece oportunidades suficientes para esses futuros profissionais?
Poucas vezes eu vi um déficit tão urgente de profissionais de uma área como agora. Qualquer área do conhecimento que possa contribuir com questões de meio ambiente como engenheiros agrônomos, florestais e ambientais, geólogos, biólogos, químicos e tantos outros estão sendo demandados a entender a transversalidade do tema e aplica-lo à nova realidade ESG que o mundo busca.

Em direito ambiental nunca tive tanta procura e por tantos segmentos diferentes, de indústria química a têxtil, de áreas rurais a urbanas. Certamente há muito mercado ainda a ser explorado.

Quais talentos futuros líderes devem desenvolver para reduzir a crescente polarização política e combater o desequilíbrio social?
É triste falar de educação no Brasil, esse definitivamente não tem sido prioridade há muito tempo. Se o jovem entender isto e buscar, por meios tão disponíveis como a internet, se capacitar e compreender que somos um só planeta, uma só raça humana, que devemos colocar o amor e o propósito à frente de nossas prioridades, teremos respeito e compaixão.

Um político que tem esses valores fará a melhor política, um médico que tem esses valores fará a melhor medicina, uma cozinheira assim fará a melhor comida e entraremos em um ciclo virtuoso. Pode parecer utópico, mas eu realmente creio no equilíbrio. Já estivemos muito piores, em termos de guerras, doenças, escravidão e direitos. Poderemos acelerar a nossa própria evolução se entendermos que não apenas fazemos parte do meio ambiente mas que somos o meio ambiente.


“Eu me criei indo passar as férias de verão com meus tios, pequenos produtores rurais do interior do Paraná, e sabia, por experiência, que eles não eram vilões do meio ambiente, ao contrário, me ensinaram a amar a água, a terra, as plantas e animais.”

Este é meu combustível, a sede de fazer a diferença, de melhorar a vida real das pessoas.

“Só se cuida do que se ama e só se ama o que se conhece.”

Poderemos acelerar a nossa própria evolução se entendermos que não apenas fazemos parte do meio ambiente mas que somos o meio ambiente.

 

 


Por Francisco Vila
Fotos: Divulgação


 

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